Sei bem que os deuses tiveram domínio nesta terra, mas foram tomados pelo seu orgulho e pela ignorância dos seus seguidores. Perderam a noção de quem eu sou, de todos os meus aspectos. Eu sou Trebaruna, a eterna amiga que traz o descanso final. Muitas preces já foram outrora dedicadas a mim. Eu sou também o destino, o Fado de todas as criaturas. Não há nada que esteja para lá do meu propósito. Sou tão inevitável como o passar do tempo e, mesmo assim, julgaram-se superiores a mim. E por isso um novo aspecto da Morte estava destinado a se revelar ao mundo. Enfim, eu sou também Terminus, o Imperador de Ébano, o conquistador desta terra pejada de divindades podres e indignas. Essa era de abusos descarados enfim terminou. Os líderes dessa teocracia, clérigos e paladinos, quase todos eles foram aniquilados ou postos ao meu serviço. As suas civilizações foram postas em ruínas. Agora existe apenas um verdadeiro exército, um verdadeiro império e um verdadeiro tributo.
Todavia chego a Terras de Lugo sabendo que não basta conquistar, é preciso também civilizar. E o deus Lugo, divindade versada no poder da palavra e do comércio, nunca me desrespeitou. Apenas viajou, como é seu hábito, para longe de suas terras e aqui nunca cultivou subserviências ou exigências desmedidas. Foi por isso fácil para mim chegar a um entendimento com a nobreza da região, líderes que sempre vieram de uma casta de pescadores e mercadores, gente que sabe que o que é devido tem de ser pago. Eu garantirei a moeda e o pagamento das dívidas e toda a gente deverá pagar o tributo a Terminus. Não é que a Morte faça qualquer uso ao dinheiro, os meus servidores não comem nem bebem. O tributo é apenas forjado para cunhar moeda cada vez mais valiosa. E para pagar a traidores, naturalmente. A pequena corrupção muitas vezes é tudo o que resta a esta gente. Mesmo antes do exército que eu comando marchar para Oeste, os meus emissários chegaram a um acordo com a nobreza de Lugo. Pedidos de casamento foram-me oferecidos e até ex-sacerdotes foram denunciados, tudo para conseguirem pagar menos ou receberem mais. Não me interessa a imoralidade com que fazem as suas contas, mas apenas o poder simbólico que através deles eu consigo exercer sobre o seu povo.
Para destruir poderes divinos não chega matar e pilhar. É nos momentos em que tudo parece perdido que uma faísca divina brilha na escuridão. As profecias, as relíquias, os heróis e os heremitas também terão de desaparecer a seu tempo e isso é um jogo de paciência. Gerações têm de nascer e morrer sob o meu domínio, pois é assumindo um lugar na vida destas terras que posso assegurar a inevitabilidade de cada falecimento. E é assim que começo o meu caminho de volta ao meu papel neutro e vigilante, altura em que eu mesmo poderei desaparecer como um dos aspectos da Morte. Mas tal não acontecerá demasiado cedo, Terminus ainda tem muito para fazer.
Permito que alguns dos meus servidores mantenham alguma da sua humanidade para que o sentimento do dia-a-dia destas terras faça parte da minha percepção. Sei também que em todos os lugares há que contar com a imprevisibilidade da magia, o caos que flui através da realidade. Mas, de todos estes meandros, são raros os que merecem a minha atenção. Em particular, dos passos que caminham entre gerações, os da Velha Druida sempre me interessaram. Ambos sabemos muito bem que tudo vive e tudo morre, que há um equilíbrio, mas nada é assim tão simples com ela. Está na natureza das coisas o poder de elas se renovarem, de se transformarem sem que para isso tenham que morrer. Isto põe em causa a minha existência como um aspecto necessário à Morte, mas eu desta vez não pude esperar que tudo se equilibrasse daqui a uma mera centena de anos. Ser a Morte é também decidir qual é o momento certo e este instante pertence-me. Demasiadas curas milagrosas e ressuscitações cuspiram na minha cara. Outros aspectos da Morte poderão discordar, mas o abismo também anseia. E isso talvez a Velha Druida seja capaz de compreender.
Trebaruna, o aspecto primordial da Morte, recorda-se de outros tempos noutros mundos em que eu também nasci, mas recusa-se a falar do que aconteceu. E o Fado da Morte, o julgador de todos os destinos, por mais que tente desconhece qual será o meu. Só sabemos que, de uma forma ou de outra, nós somos certamente eternos. Mas há uma eternidade pela qual eu tenho de lutar.